Razão e razões da História

 

Jaime Nogueira Pinto

 

22/12/2014

 

Confrontados com o passado, tendemos a racionalizar todo o acontecido como tendo tido forçosamente que acontecer. As grandes religiões - com um Deus previdente e provedor - e os grandes determinismos históricos, como o marxismo, empurraram-nos para estes caminhos. Caminhos que também os conservadores e reaccionários franceses da segunda metade do século XIX - Renan, Taine, Barrès, Maurras - codificaram numa prosa sedutora com a subtil ameaça de que quem esquece a História se arrisca a repeti-la.

 

Contra esta linha, Nietzsche tentou destruir - e em parte conseguiu - o bem e o mal de dois mil e quinhentos anos de filosofia e religião ocidentais, em que o logos - divino ou humano - dava um sentido à História e à vida dos homens. Um sentido que, a partir dos Evangelhos, de Tomás de Aquino, dos humanistas e até dos seus sucessores laicos da Ilustração, era sinónimo de progresso. Hegel, mestre de conservadores e revolucionários, explicava-o assim: “Todo o real é racional e todo o racional é real”.

 

Desta tendência racionalizadora do que é, vem também a tentação de buscar no passado acontecido a raiz do presente, não admitindo alternativas e negligenciando o potencial futuro de alguns caminhos marginalizados pela marcha da História. Como Teseu, temos medo de nos perder o fio que Ariadne segura e de, nessa perdição, perder a razão, deixando-nos devorar pelos minotauros de um qualquer passado obscuro.

 

Para que em Sarajevo, no dia 28 de Junho de 1914, se mudasse ou se determinasse o rumo da História, tinham que estar ali todos os intervenientes, as vítimas e os assassinos: o arquiduque Francisco Fernando e Sofia Chotek, em carro aberto, o motorista equivocado e Gravilo Princip. E o motorista tinha mesmo que se enganar no caminho e seguir pela travessa erma por onde, desiludido, voltava o magnicida. Tragédia de enganos, esta, que pôs no labirinto dos futuros possíveis, o nosso futuro.

 

Os tiros de Sarajevo seriam o motor (estávamos no tempo das máquinas) que poria a andar a engrenagem que nos 50 meses seguintes iria levar à morte de cerca de dez milhões de homens, acabar com quatro impérios - o Austro-Húngaro, o Alemão, o Russo czarista e o Otomano - e iniciar uma revolução de classes na Rússia que desencadearia, por contágio e reacção, outras revoluções e contra-revoluções.

 

A ditadura proletária dos bolcheviques contribuiria para a vitória dos fascistas italianos e para as ditaduras e autoritarismos na Península Ibérica, nos Balcãs e na Europa Central; e, quase vinte anos depois, para que Hitler conquistasse o poder na Alemanha. Por esse tempo, 1933, Josef Estaline, mandava na União Soviética, iniciando o Grande Terror.

 

Do confronto destes totalitarismos iam nascer a guerra civil europeia e a Segunda Guerra Mundial, que causaria no mundo, entre civis e militares, seis ou sete vezes os dez milhões de mortes da primeira e carnificinas e crimes dignos das narrativas da Antiguidade.