Os gritos dos fundamentalistas

 

por Vítor Rainho

 

A liberdade de expressão sempre foi um dos valores sagrados dos países democráticos. Independentemente dos credos religiosos, políticos, clubísticos ou de outra natureza qualquer, a democracia caracteriza-se por isso mesmo: cada um pode pensar como muito bem entender, desde que, obviamente, não ponha em causa o sistema vigente.

 

Por isso, por exemplo, sempre que aparece um partido que professa as teorias nazis, é considerado ilegal. O mesmo não se passa no que diz respeito a outras doutrinas que fizeram tantas ou mais mortes do que o movimento escabroso de Hitler... Mas isso é outra história.

 

Embrenhados na grave crise que o país atravessa, não tem sido dado muito destaque ao que se está a passar no mundo árabe. Por causa de um filme de trazer por casa que mete o profeta Maomé, os muçulmanos radicais decidiram atacar todos os sinais relacionados com os Estados Unidos da América e, de uma forma geral, os valores ocidentais. Na Alemanha, Governo e oposição não se entendem quanto à proibição da exibição da película. Na Rússia, bem podem os opositores de Putin protestar, que o filme não será comercializado. Curiosamente, são poucas as vozes que defendem a liberdade de expressão dos autores do filme. Não sou particularmente adepto de filmes que ponham em causa a de cada um, mas tenho na galeria dos meus filmes preferidos A Vida de Brian, um dos melhores dos Monty Python.

 

O que me faz confusão é ver fundamentalistas a saquearem embaixadas, a matarem pessoas, tudo em nome da religião sagrada, sem que os defensores da liberdade digam alguma coisa. Quando os católicos protestam com a exibição de filmes como Eu vos Saúdo, Maria, são atacados e considerados inimigos da liberdade. Mas quando alguém decide atacar violentamente os interesses dos EUA e dos ocidentais, essas mesmas figuras assobiam para o ar.

 

A liberdade de expressão interessa quando as ideias estão de acordo com as suas conveniências políticas. Não é pois de estranhar que tantos se coloquem ao lado dos fundamentalistas islâmicos. Afinal, se pudessem também perseguiriam quem pensa de maneira diferente.

 

P.S. A manifestação da semana passada veio reforçar a força das redes sociais. Seria difícil a algum movimento político levar tantas e tão diferentes pessoas às ruas do país. Apesar dos graves problemas que atravessam, os manifestantes deram uma grande lição de civismo.

 

vitor.rainho@sol.pt