Tiros em Aurora

 

Zarcillo Barbosa

 

As tragédias não se explicam. Elas precisam ser contadas, como fazia Sófocles há 2.500 anos, como uma forma de catarse, uma purgação moral da sociedade. James Holmes, 24 anos, doutorando em neurociências, descrito como uma pessoa calma e solitária entrou numa sala de cinema vestido de preto, cabelos tingidos de vermelho dizendo ser o Coringa, inimigo do Batman. Começou a disparar como se fizesse parte do bando que atormenta Gothan City, a cidade protegida pelo Homem Morcego. Matou 12 pessoas e feriu 59. A cidade onde a tragédia ocorreu, Aurora, no estado do Colorado, fica a cerca de 30 quilômetros de Columbine, onde em abril de 1999 dois adolescentes mataram a tiros 14 pessoas numa escola. Fatos semelhantes já ocorreram no Brasil, na Alemanha, na Finlândia, Noruega e em outros países conhecidos pelo alto grau civilizatório. Culpam-se os jogos eletrônicos e filmes violentos como detonantes dessas matanças, onde os protagonistas buscam seus momentos de celebridade, ou dão vazão aos instintos assassinos. Seria uma resultante das “mentes perigosas”. Cuidado! Seu vizinho pode ser um desses, mesmo com que suas atitudes pacatas não denotem.

 

Os estudiosos do tema negam haver uma só causa. Psicólogos assinalam que, com pessoas com predisposição anterior à violência e com problemas mentais, os jogos eletrônicos podem chegar a ser uma má influência, mas não se pode generalizar. Também se fala muito na descrença dos valores individuais, como se as novas gerações não vissem mais sentido ou utilidade na existência (niilismo). Daí o espírito destrutivo em relação ao mundo circundante e ao próprio eu. O relativismo, o consumismo, a competitividade... Você pode acrescentar mais alguma coisa, ao seu gosto. Os meios de comunicação, por exemplo, que dão ênfase mórbida à violência, até romanceiam a vida dos personagens. A verdade é que não há um perfil certeiro nem útil dos estudantes envolvidos em ataques a centros escolares.

 

Há um ponto em comum que, embora não explique o porquê, pelo menos assinala como: o acesso fácil a armas de fogo. Nos Estados Unidos, dos 37 casos estudados a maioria dos agressores tinha acesso a arsenais de armas sofisticadas, sabiam como usá-las, e conheciam até como mirar nos pontos mais vitais do corpo humano. Treinados para matar. Conclusão única: as pessoas sem acesso a esses instrumentos mortais são menos propensas a matar ou a matar-se. No Brasil, comprar uma arma é difícil. A portabilidade é uma exceção. Mesmo assim a “tragédia do Realengo” aconteceu. O cineasta Michel Moore, no seu famoso documentário sobre o “bowlling” de Columbine, denunciou exatamente esta questão. Conta o caso de um banco que dava rifles de brinde aos seus novos correntistas. Noventa milhões de norte-americanos (população de 310 milhões) possuem 300 milhões de armas de fogo em casa. É a nação do mundo com maior índice de armas em mãos de civis. Milhares de famílias protegem o seu sono com uma arma no criado-mudo. A indústria de armamentos é uma das maiores financiadoras das campanhas eleitorais. Os candidatos Barack Obama e Mitt Romney lamentam as matanças nas escolas, mas nenhum deles faz pressão contra a posse de pistolas e fuzis de assalto. A Associação Nacional de aficionados, com quatro milhões de inscritos, impediu, em 2004, que um projeto de lei de George W. Bush, limitando a venda de rifles, prosperasse no Congresso.

 

A última vez que o presidente Obama se pronunciou em matéria de controle de armas foi no ano passado, depois do tiroteio que custou a vida de nove pessoas. Nesse atentado, a deputada do Arizona, Gabrielli Giffords, recebeu uma bala na cabeça. O presidente disse que estava na hora “de tomar medidas efetivas e significativas para deter a violência”. As suas palavras não se materializaram de nenhuma forma. A cada 12 horas morrem 144 pessoas vítima de disparos, nos Estados Unidos. Os massacres em escolas não são de agora. Começaram no Michigan, em 1927 - o mais perverso de todos - com 45 mortos e 58 feridos. Em 1966, na Universidade do Texas, morreram 14 e 32 resultaram feridos. Em 2007, na Universidade Politécnica da Virginia houve 33 mortos e dezenas de feridos. Nem o Batman consegue acabar com tanta violência.

 

O autor, Zarcillo Barbosa, é jornalista e colaborador do JC