Sobre a Cuba que não mais

 

A Cúpula das Américas prega o último prego no caixão da ilha que não é fantasma revolucionário

 

Patrick Chappatte, chargista do jornal "The New York Times", resumiu à perfeição a nova situação entre Cuba e os Estados Unidos, após a Cúpula das Américas.

 

No seu desenho, Obama, mãos no ombro de Raúl Castro, diz: "Cuba será removida da nossa lista de terrorismo". No "balão" seguinte, o presidente completa: "E colocada na nossa lista de turismo".

 

Bingo. Os contatos no mais alto nível entre autoridades norte-americanas (incluídos os respectivos presidentes) farão com que Cuba deixe de ser um fantasma, feito de alguns fatos e muita mitologia.

 

Conto alguns, extraídos de minha experiência pessoal. Minha primeira ida a Cuba foi em 1977, quando brasileiros não podiam viajar à ilha.

 

Tive que fazer um percurso maluco: ir a Paris, para tirar o visto de entrada em Cuba; de Paris a Madri para pegar o voo da Ibéria (com escala) até chegar a Havana.

 

Havia lido o livro "A Ilha", do jornalista Fernando Morais, uma louvação do regime, mas uma rara publicação brasileira sobre Cuba.

 

O livro dizia que os cubanos, cheios de ardor revolucionário, não aceitavam gorjeta, coisa do capitalismo decadente. Acreditei e, quando o "boy" (aliás não tão "boy") pôs minha mala no quarto do hotel, fiquei esperando que ele saísse.

 

E ele ficou esperando que eu desse a gorjeta que o livro dizia que os cubanos não aceitavam.

 

Ele ganhou o jogo de espera e levou a gorjeta. O brio revolucionário não era tão generalizado assim.

 

Na volta ao Brasil, conforme soube muito tempo depois, os coronéis do entãoExército queriam me prender no aeroporto, embora a viagem não fosse clandestina.

 

Ao contrário, enviei cinco textos ao "Estadão", para o qual trabalhava então, dois dos quais foram publicados devidamente assinados como "enviado especial a Cuba" (os outros três sumiram na transmissão de Havana a São Paulo).

 

O chefe dos coronéis, o general Dilermando Gomes Monteiro, impediu a prisão, dizendo aos subordinados que preferia me convidar a conversar com ele (e eles) no QG do Ibirapuera.

 

O convite de fato veio. Sentamo-nos eu e o general no sofá. Atrás, um grupo de coronéis de cara fechada.

 

Dilermando perguntou: "Então, como é a ilha?" Respondi: "General, para o tal de povo pode ser muito bom, mas para nós, burgueses, é uma merda, tem fila para tudo".

 

Descontraiu um ambiente meio tenso, até porque ficava claro que o general não queria um interrogatório ideológico sobre o "inimigo", mas apenas extravasar sua curiosidade sobre o "fantasma" proibido.

 

Curiosidade também do outro lado: durante minha estada na ilha, o governo brasileiro baixou o chamado "pacote de abril", medidas restritivas para evitar o avanço eleitoral da oposição.

 

No dia seguinte, aparece no hotel um membro do Comitê Central do PC cubano com a mesma curiosidade sobre o Brasil que o general Dilermando tinha sobre Cuba.

 

Ficou claro para mim que havia profundo desconhecimento recíproco, o que servia para alimentar a fantasmagoria.

 

Os americanos vão fazer descoberta parecida agora.

 

crossi@uol.com.br